Alienação



Como costuma dizer um amigo meu, para bem caracterizar a indiferença: "Um passageiro, em vez de manifestar pânico, contempla a paisagem enquanto o avião, devido à pane, despenca desastradamente".

É muito triste vivermos, hoje, esse hiato da sociedade que, como aquele passageiro, pára para tantos lazeres, mas não se liga na luta comunitária para preservação de um Estado soberano que fica à mercê da vontade pessoal de seus governantes. Estes, valendo-se da legitimidade e da ausência temporária do poder da sociedade, temerariamente, protagonizam-se ditadores proprietários do patrimônio público que, à revelia da sociedade, sucateiam-no ou doam-no aos interesses do capital privado para explorar, principalmente, os monopólios de serviços eminentemente públicos essenciais, impondo constrangimento e exclusões de camadas com menor poder de compra.

Esse estado mórbido é a conseqüência de um processo que retaliou a ação pela democracia plena, segundo a qual se cultua a liberdade, a igualdade e a preservação da cidadania; que inibiu a consciência coletiva, produzindo para os dias atuais predominância de cidadãos egoístas.

Há de se resgatar, urgentemente, a sociedade organizada para a discussão das questões gerais de interesse coletivo que possam afetar diretamente ou indiretamente a vida da família brasileira. Há de se fazer valer o real papel de todo cidadão que através do voto recebeu a outorga consubstanciada nos seus programas em época de eleições. Não há que se assistir, com a passividade da sociedade, o jogo de interesses individuais ou político-partidários na consecução de programas ou projetos que, comprovadamente, não necessitaram de muito tempo para exibir sua malignidade social.

A Aseac tem participado de alguns atos públicos, onde poucas pessoas presentes discutiram o interesse geral. Recentemente, estávamos na Assembléia Legislativa, numa audiência pública e, posteriormente, no Clube de Engenharia, com meia dúzia de lideranças comunitárias e engenheiros gritando pelo direito de proteção, até da vida, diante dos absurdos contratados pelo governo anterior na privatização da CEG. Na sociedade usuária do gás, alguns já morreram em silêncio.

Volta e meia, abordo o sacrifício da sociedade calada e entalada com os abusos da Light e da Cerj. Recentemente, um jornal do Rio fez apologia da eficiência e da eficácia da Light. Se não bastasse o nosso silêncio, querem-nos idiotizar. Tenho que, constantemente, constatar a exploração, com o aumento de tarifa e a queda da qualidade dos serviços prestados pelos concessionários da distribuição de água em Friburgo, Petrópolis e Campos.

Na Região dos Lagos, a Aseac fez uma autêntica peregrinação nas Câmaras Municipa e lá preconizávamos o futuro que lhes estavam reservando com a iminente privatização da distribuição da água na Região. Dizíamos que perderiam a Cedae pública, a Cedae deles, também, à qual atribuíam mal atendimento. Alertávamos que, certamente, a futura empresa privada, além de não os satisfazer, não resistiria e acabaria abandonando-os, basicamente, porque não era, ali, o eldorado que supunha ser. Era uma região subsidiada, onde há uma sociedade usuária flutuante, exigente em épocas de veraneio, todavia ausente na tesouraria da tarifa em baixa temporada, gerando uma conseqüente inadimplência. Alertávamos, enfim, que se tal futurologia se consagrasse, as prefeituras não teriam nem estrutura nem conhecimento técnico para assumir aquela atividade e que a Cedae já teria se desestruturado totalmente na Região.

É. Fala-se que a Prolagos, empresa do grupo que assumiu uma metade da região e que vem subsidiando a empresa Águas de Juturnaíba, que manda na outra metade, está vivendo dias piores crescentes. A inadimplência gira em torno de 75%. Já teria demitido o presidente daquela empresa e que se articula para uma possível rescisão do contrato de concessão. Veja, só! É como uma falência regional, pois a Águas de Juturnaíba não resistirá só.

O que farão os prefeitos? É chegado o momento, diante do iminente sofrimento da população, de dar um basta nessa "historinha" criativa e rentável de poder concedente. Segundo os interesses financeiros dos prefeitos, a distribuição de água é competência das prefeituras, logo, é seu o poder concedente. Por isso, repassaram para a iniciativa privada o que não lhes pertencia, confiscando todos os bens da Cedae que, em última instância, é patrimônio público estadual, isto é, da sociedade fluminense.

E agora, o que vão dizer? Só a prudência e o respeito à Constituição trará a paz àqueles concidadãos. É que saneamento básico - água e esgotos - é competência comum da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Daí, cabe ao governo estadual se fazer presente, pois a questão não é de poder para conceder e ganhar financeiramente com a outorga. A saúde pública conclamará a responsabilidade dos cidadãos outorgados governantes.

Vamos lá, Cedae, reestruturar a sua missão de instrumento do saneamento básico, independentemente de município ou de usuário pobre, rico ou remediado.

Apesar da indiferença, volta e meia há uma reação aqui, ali ou acolá, equivocadamente, contrária à luta pela não consumação da privatização da Cedae ou o seu fatiamento. Atribuem-nos diversos qualificativos. Todas visando ao esvaziamento da ação. Não adianta. Estamos surdos por conveniência. Sabemos que por trás, há uma profissional manobra dos algozes que manipulam os incautos desinformados. Continuaremos, com outras lideranças em ascensão, na vigília crescente da cidadania, urrando para que a sociedade "acorde do sono longo e profundo, antes que tirem a sua cama e se arrebente no chão".

"Para vencer é preciso audácia, ainda audácia e sempre audácia" (Jorge Jaques Danton)

Historicamente, esta mesma sociedade acordou e enxotou um presidente. A garotada pintada, mesmo ingênua, pressionou o Congresso Nacional. Se conseguirmos despertá-la a tempo, que se cuidem esses dirigentes nefastos, principalmente nas próximas eleições. Não menos preocupados devem ficar vereadores e deputados.

Estamos quase órfãos. Já temos dúvidas sobre a quem recorrer para alianças. Cresce o acervo da inconfidência! Resta-nos a força inquebrantável da sociedade organizada para eliminar essa minoria dominante que nos impõe a submissão ao poder internacional, comandado pelo FMI, principalmente nas atividades vitais.

Há, também, um fio de esperança no quarto poder. A mídia tem se mostrado vigilante, embora constatemos que, vez por outra, dormita. Por exemplo: os critérios absurdos na pretendida privatização dos serviços de água e de esgotamento sanitário nos bairros da Barra, Recreio e Jacarepaguá, eivada de estranha "matemágica", constante na última versão do edital de licitação.

Recentemente, orquestraram um ataque intenso à Cedae, culpando-a pela poluição das praias da zona sul e da Lagoa. Subliminar! Visavam ao enfraquecimento do órgão. Como vírus, queriam, em verdade, matá-la no Recreio, na Barra e em Jacarepaguá. No momento em que o governador sucumbiu-se, tudo cessou e logo o prefeito anunciou a parceria, em seguida confirmada com a assinatura do convênio, cujos termos se efetivaram no Edital.

O edital de licitação tornou-me um marciano. Não entendi nada - é claro, no sentido figurado. Pareceu-me uma fábula para encenar "Um rei e um conde". A encomenda à Cedae de tal texto disfarçado, esconde uma doação. Para acabar com a gritaria naquela Região, os governos estadual e municipal prometeram um acerto. Só não se sabe que acerto. É só conferir na nossa reportagem da página 6.

Dario Mondego
Presidente da Aseac



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