O tesouro das águas subterrâneas

* Egmont Capucci

A grande reserva de água subterrânea é vital e estratégica para os países do Mercosul. Este artigo estabelece uma comparação do aquífero com os mananciais sob o solo do Estado do Rio de Janeiro.

O termo aquífero Guarani é a denominação formal dada ao reservatório transfronteiriço de água subterrânea que ocorre nas Bacias Sedimentares do Paraná e Chaco-Paraná, cuja extensão total é da ordem de 1,6 milhões de km², dos quais cerca de 1 milhão de km² ocorre no Brasil. "Uma área maior do que a França, Espanha e Portugal juntos, a uma profundidade entre 50 e 1.500 metros e uma reserva de 50 quatrilhões de litros de uma das águas mais puras do planeta, maior do que todos os rios do globo". Este é o Aquífero Guarani, ainda muito pouco explorado, com cerca de 15 mil poços em operação.

O termo Aquífero Guarani foi proposto em homenagem à Nação Guarani que habitava esta região nos primórdios do Período Colonial. Este reservatório gigante de água subterrânea é formado por derrames de basalto no Período Triássico, (245/208 milhões de anos) recobrindo sedimentos eólicos em ambiente desértico formados por imensas dunas (semelhantes ao atual deserto do Saara ) do Período Jurássico, (208/144 milhões de anos), correspondentes à formação de arenitos denominados Botucatu no Brasil. Considerando que este lençol possui uma extensão total de 1,2 milhão de km², uma espessura média aquífera de 250 metros e porosidade específica de 15 %, temos que o volume de água subterrânea estocado no Super Aquífero Guarani é de 45 trilhões de m³, ou de 45 mil km³. A análise das descargas de base dos rios desta região indicam que estas representam entre 40 a 70% do escoamento total, cujo valor normal médio no território brasileiro é de 15.800 m³/s, ou de 252 km³/ano. Isto significa que a taxa média de recarga dos aquíferos da região é de 8.000 m³/s. No caso do Brasil, a taxa de recarga foi estimada em 166 km³/ano (Rebouças, 1976 e 1994), significando que com a extração de apenas 25 % desta recarga daria para abastecer o consumo total de uma população superior aos 15 milhões de habitantes da área, a taxas de 250 l/hab/dia, considerada pelas Nações Unidas como suficiente para se usufruir do conforto da vida moderna e do desenvolvimento sustentado (Rebouças, 1999).

Nesse quadro, o maior alcance social e econômico do Aquífero Guarani resulta do fato de suas águas poderem ser consumidas sem serem previamente tratadas e de poder desempenhar variadas funções no escopo de gestão integrada, tais como de produção de energia geotermal, tendo em vista que as temperaturas de suas águas podem atingir entre 40 e 60 graus centígrados. Assim, sabendo-se que cada gota de água disponível pode gerar mais emprego, produtividade, qualidade de vida e mais dinheiro dentro do modelo atual de produção imposto pela globalização, a água subterrânea adquire gradativamente importância fundamental, à medida em que tem uma utilização entre três e seis vezes mais barata comparativamente à de superfície, geralmente contaminada, envolvendo captação, extensão de adutoras e tratamento, principalmente quando o objetivo é o abastecimento do consumo humano.

Relativo aos aquíferos de nosso Estado, mantendo-se as devidas proporções em comparação ao Guarani, pode-se citar como Super Aquífero as Formações Aluvionares existentes na Região Metropolitana de Campos, onde poços produtores perfurados pela Cedae desde 1982 (atualmente operados pela Concessionária Águas do Paraíba), com profundidades em torno de 90 metros, revelaram vazões específicas inéditas até então, mesmo em termos de Brasil, produzindo 150 m³/h por cada metro de rebaixamento provocado, permitindo extrações por poço em torno de 500 m³/h (138 l/s.) com reduzido custo, bastando para tanto o tratamento exclusivo de ferro presente nesta formação, abrindo perspectiva futura de progressivamente se executar de forma pioneira abastecimento da Cidade de Campos por um manancial que hoje representa, sem dúvida, importante reserva estratégica para melhor desenvolvimento daquele município.

Prova irrefutável do que se diz pode ser comprovada atualmente na cidade de Farol de São Tomé, devido a sua rápida expansão demográfica observada desde o momento em que a Cedae abasteceu, via manancial subterrâneo, aquela comunidade, justificando atualmente a implantação, através da Petrobrás, de um terminal aéreo com toda infra-estrutura para apoio logístico às plataformas de perfuração. Aliás, pode ser feita uma analogia com o petróleo e a água subterrânea, onde aquela estatal acabou, após décadas de pesquisa em distantes bacias, por encontrar sua maior jazida atualmente explorada justamente em seu estado sede.

Cita-se ainda como um importante lençol as aluviões do Rio Macacu, situados na Região Metropolitana do Rio, no município de Guapimirim, onde pesquisa coordenada pela Cedae e apoiada por Convênio de Cooperação Técnica com o Governo da Alemanha projetou quatro poços radiais (construídos com 400 metros de drenos horizontais) nesta formação, com produção individual de 750 m³/h, totalizando 72.000 m³/dia.

Assim, o manancial subterrâneo desponta como fonte estratégica de abastecimento às futuras gerações, principalmente no que se refere ao abastecimento de pequenos consumidores, onde poços bem locados e construídos para prefeituras e indústrias têm revelado vazões de 10 a 40 m³/h em aquíferos formados por rochas duras (cerca de 70% do Estado), e vazôes de 30 a maiores de 100 m³/h. nas bacias sedimentares de Campos, Duque de Caxias e Resende.

*Egmont Capucci é hidrogeólogo da Cedae. Atualmente, está lotado na Diretoria do Interior, em Niterói. Capucci já realizou a construção de dezenas de poços profundos para abastecimento de importantes cidades interioranas no Rio de Janeiro.


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