Manobra de risco



"Privatizar setores sociais, como o de Saneamento Básico, é um salto mortal triplo. E financiar isso com dinheiro público, como o governo FHC vem fazendo através do BNDES, é uma anomalia perigosa, esquizofrênica e criminosa, digna de código penal". A opinião é do economista Reinaldo Gonçalves, Diretor do Conselho Regional de Economia (Corecon) e professor titular de Economia Internacional da UFRJ, que acaba de lançar o livro Globalização e Desnacionalização, onde desmistifica a política de privatizações das empresas públicas brasileiras.

A análise do economista demonstra que os recursos arrecadados pelo governo federal com essas privatizações - algumas delas altamente rentáveis - não serviram até agora para reduzir um único centavo das dívidas interna e externa do país, conforme pregava o presidente Fernando Henrique ao lançar o programa de desestatização. Ao contrário, desde o início de seu governo, em 1995, FHC levou o déficit externo a cifras astronômicas (US$ 250 bilhões), e a dívida interna chegou a R$ 540 bilhões no final de 1999, passando de cerca de 15% para mais de 50% do PIB.

Estes números, relativos às contas do país no final do ano passado, jogam por terra os argumentos do governo FHC de que a venda das empresas públicas era condição fundamental para a redução do déficit público e garantia das metas fiscais. Na verdade, a transferência das estatais brasileiras para o setor privado, predominantemente para o capital internacional, é parte do acordo assinado pelo governo FHC com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que definiu como meta prioritária para este ano a privatização dos setores de energia e saneamento básico.

"Além disso, os dados demonstram de forma clara o grau de dependência a que a política econômica do atual governo reduziu o país", opina o diretor do Corecon. "O governo insiste no erro principal que é a abertura econômica para o exterior, política totalmente incompatível com a realidade econômica nacional", argumenta.

Para Reinaldo Gonçalves, a política econômica de FHC está levando o Brasil a um impasse, com sérias conseqüências de natureza social, como o desemprego, a violência etc., além de uma crise institucional grave. "A privatização das empresas públicas é uma tentativa frustrada de gerar recursos para tentar reduzir o déficit público e conseguir dólares para pagar a dívida externa. Contudo, com sua política de juros altos, o governo criou um efeito bola de neve para ele próprio, elevando a dívida interna a valores incontroláveis. É a auto-alimentação do processo, que acaba levando a um poço sem fundo", explicou.

Reinaldo Gonçalves acha que, quando o governo FHC chega ao ponto de privatizar setores sociais como o saneamento básico, ele dá sinais claros de desespero, de que perdeu de fato o controle da economia. "A verdade é que, com a atual política econômica, FHC se encalacrou de tal forma que não importa mais o problema do país a longo prazo. Ele quer resolver a situação agora e deixar os problemas estruturais para o próximo governo resolver, numa demonstração de fracasso e de fragilidade de sua estratégia".

Para o diretor do Corecon, o mais grave é que a política do governo FHC tem característica anticapitalista nacional - não importa se estatal ou privado - mas com clara preferência pelo capital internacional. "No caso do saneamento básico, a privatização assume contornos preocupantes, principalmente por suas características de monopólio natural. Além disso, com a degradação imposta aos serviços públicos pelo próprio governo, tornam-se necessários recursos extraordinários que nem o capital privado estaria disposto a dispender. As empresas privadas querem explorar com curto horizonte de investimentos, para recuperar em no máximo dois anos seu capital. Depois disso, o que vier é lucro", explicou o professor, chamando atenção para o fato de que essa situação tende a se agravar devido à fragilidade das instituições reguladoras do país.


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